"Se a tua dor te aflige, faça dela um poema!"

Ainda tinha seu cheiro.

É como se soubesse por onde começaria a próxima manhã.
Necessariamente a lua naquela noite falava comigo; depois do jantar caminhávamos de mãos dadas um se equilibrando no paralelepípedo e o outro na rua; rimos de histórias contadas no caminho vividas por cada um pois apesar de tanto tempo juntos não havíamos tido tempo de mencionar algumas palavras ditas só agora.
O vendedor de algodão doce estava se preparando para ir embora até que me entregou um de cor azul. Sorri. Sentamos logo adiante na porta do prédio e ficamos pestanejando. Adoçamos a vida apenas com o doce do açúcar. O silêncio reinou e mesmo sem nenhum ruído enquanto estávamos ali havia um som pesado, quase que fúnebre, que podia falar por nós dois.
Encostei minha cabeça no teu ombro e depois de minutos ali confortavelmente, sentindo seu cheiro, resolvemos subir para nosso quarto. Era contínuo todo o silêncio, só o escutei colocando o copo d’água no criado- mudo do lado da nossa cama. Estávamos deitados, intactos cada um virado para um lado. Ouvi nossas respirações, até algumas batidas do coração. Confesso que mesmo que os olhos estivessem fechados continuava acordada.
Olhava o despertador e as horas passavam menos mesmo que já tivesse havido muito tempo que estávamos deitados e nessa noite por sinal estava tão fria. Até que ouvi seus passos tentando ser cautelosos como se pisasse em ovos, recolhendo seu relógio e as roupas. Calçara o chinelo.
Quando percebi que se aproximava do meu rosto, fingi estar dormindo, sempre temi que acontecesse. Ele soltou um beijo em meu rosto e senti uma lágrima sua escorrendo em minha pele e pude sentir o gosto do sal que entrava em minha boca. Já era tudo tão amargo agora. Saiu! Escutei a porta batendo.
Olhei para o relógio, passara das cinco da manhã e o frio já não era o mesmo; conseguira congelar minhas pálpebras e nem mesmo a freqüência da respiração era a mesma. Ficou tudo muito lento de repente.
Peguei seu travesseiro, ainda tinha seu cheiro. Coloquei junto do meu, sentei ali na cama e acendi um cigarro. Foi ao final dele o início do meu sono.
Mas quando então estava num sono pesado o despertador apitou e eu sentira novamente o mesmo peso do silêncio da noite passada; era a primeira manhã que passara acordando sem as mãos do meu amado em meus cabelos.
Fiquei estirada na cama. Surpreendentemente estava aliviada, enfim!

Fui preparar um café bem forte e encontrei ao lado da açucareira um bilhete dizendo assim: “Para não me esquecer do teu olhar terno, guardarei a noite de ontem sendo como a primeira das mais doces que já tivemos, de todo seu...”

De roupão.

O que queria era chegar do trabalho tirar os sapatos apertados, por que sim, eu os colocava propositalmente para que no fim da noite pudesse pegar um balde d’água quente com alguns sais de banho e colocá-los lá.
Um puro prazer.
Tomei um banho bem quente.
Imagine só o banheiro já estava todo embaçado, escrevi no espelho um nome e sorri.
Aquela sensação era tão jovial, fazia tempo que não sentia mais nova do que era; nova quando falo é por dentro porque por fora?
Ah, por fora os traços do tempo me faziam sentir completa e realizada, ainda por já ter vivido e feito tudo que fiz.
Preparei um chá, ainda estava de roupão.
Sabe quando está frio, você pouco coberto e tomando algo quente?
Era assim, e eu gostava dessa pouca sinfonia e de tanta sintonia, entre o tempo e eu. Parecia falar comigo, apesar de parecer louco. Sinto-me bem com a simplicidade do que tenho.
Sentei-me na poltrona, coloquei meus pés na mesinha de centro, e comecei a terminar de ler um dos meus livros preferidos. Há meses venho lendo e tenho medo que acabe. Onde encontrarei livro tão bom e completo assim?

Vinte e Quatro Horas.

As borboletas tem um caso
dentro do meu espaço, ficam todas no meu quarto
vira e mexe encontro uma
deve saber da minha paixão
acho que entendem de coração.
Vejo todas camufladas com a poeira do chão. Me
mande algum bilhete ou outro cartão? As cores ainda
estão vivas, mas já batem as asas com lentidão.
Não pare! Lute!
Esqueço- me que a magia da vida
dura apenas vinte e quatro horas.
Pois então, eu jamais desacreditei em superstição, será ter alguma ligação sempre as borboletas pousarem no meu chão?




Na sintonia dos olhos.


Estava no metrô.

Passei horas andando somente para poder pensar, pensei e me decidi.

Parei na porta, avistei várias luzinhas para chamar a atenção de quem passava por ali. Respirei fundo, entrei!

Depois do acidente, tive medo. Não gostava nem de falar sobre o assunto, nem de lembrar e de saber que um dia, tudo foi diferente. Continuei, cheguei quase perto da porta de algumas das salas mais próximas e ouvi bem baixinho o som da canção. Meu coração estava disparado. Senti medo, mas tive que enfrentá-lo. Fiquei olhando por um tempo. Tenho certeza que meus olhos brilharam, de felicidade por ter conseguido chegar até ali e novamente sentir vontade que havia fugido desde o incidente e por tristeza meus olhos se enchiam d’água por tudo que havia acontecido e por tanto tempo que havia perdido.

Concentrei- me. Estava tão atenta que me esqueci das horas. Foi quando levei um susto gigante, como se tivesse cometido uma falta enorme até; Saltei do chão! Senti uma mão no meu ombro. Logo olhei para trás e era a secretária. Suspirei de alívio. Não queria ser reconhecida, gostaria da paz do momento. E felizmente a moça me perguntou só se precisava de algo. Respondi que não, que já estava de saída. Ela saiu então. Continuei onde estava.Penetrei meus olhos naquela coreografia, achavatão lindo. Vi que a dançarina cometia alguns erros por não estar tão concentrada quanto devia ou por pura obra do acaso e com isso voltava á vontade de poder comandar a sala e ajudá-la. Vi-me sozinha e acompanhei minuciosamente todos os detalhes e continuei fazendo lá fora todos os passos. Senti meu corpo leve como das outras vezes que dancei, estava até mais aliviada. Sorri, olhando pára baixo, peguei a bolsa e quando ia me despedir com o olhar, antes que a próxima música acabasse e eles parassem de discutir (sim, porque o parceiro da dançarina já não agüentava a falta de concentração de sua parceira.) ia saindo quando uma voz suave me chamou...