


Era um velho sistemático, inculcado, cheio de manias. Seus netos o achavam meio ranzinza, mais tinha um coração bom, grande - todos sabiam. Foi à criação, a vida que o transformou meio-que-arisco-com-todos, por medo. Medo de perder.
Quando mais jovem chegava do colégio e ajudava o pai na roça. Colhia alguns tomates quase maduros que a mãe vendia pela manhã no mercado da vila. Tomava banho e depois dava banho nos irmãos; todos eram mais novos que ele, uns seis, cinco anos cada um.
Jantavam em silêncio.
Na época não tinha tevê, era mesmo coisa para rico e ninguém ali tinha intimidade com as palavras, mesmo com todo o silêncio que a falta de tevê talvez gerasse.
Mas com os olhos...!Ternura!Compaixão!Amor!Diziam tudo com esses mesmos olhos, olhos cheios d’água, olhos cheios de brilho ou de doçura. Cheios de cansaço, cheios de esperança e desesperança também. Oh! Era tudo ali, onde mostravam o quão sinceros.
Todos dormiam cedo já que o dia também era despertado com o cantar do galo. Mas ele, o velho agora, sempre acordava no meio da noite e ligava o único radiozinho de casa, bem baixinho e ficava lá agachado, sozinho sorrindo e cantarolando na cabeça até dormir. E quando isso acontecia, o que era raro já que tinha medo de alguém o encontrar no meio da noite acordado, saía correndo quando ouvia o primeiro despertar do galo.
Sentou na varanda sozinha, enquanto a chuva caía pensava, embora balançasse a cadeira antiga deixada de lembrança pelo avô. O vento batia fresco no rosto, deixando a respiração profunda e tão límpida como havia de ser.
A estação caiu como uma luva. A chuva veio parando e o sol voltava de conjunto com um arco- íris deslumbrante. Acontecia que era um ciclo vicioso, e cada gota na folha do pé de goiaba caía lentamente uma na outra e assim molhava o chão.
Sentia-se no paraíso.
Agradecia em silêncio todo aquele privilégio. O cheiro das flores que agora estavam encharcadas reinava sobre o ar, perfumando até a última narina que respirava durante a tarde toda. Seu coração antes perturbado, havia se acalmado.
Sorriu.
Soltou uma gargalhada e não acreditava que até então se contentava com aquela simplicidade que aguçava e adoçava cada vez mais sua felicidade. Respirou bem fundo novamente, abriu bastante os olhos como se estivesse decorando tudo que via e sentia.
Fotografou num só olhar; bastou.
Fechou os olhos, a cadeira já não balançava, estava bastante concentrada, pois não queria passar tudo vivido para o papel e ser esquecido na ponta de qualquer lápis. Apertou os olhos como se tivesse derrubado pimenta bem ardida.
Estava em paz.
Lembrou-se que era primavera então. Percebeu que faz vinte bonitas primaveras que sorri o mais sincero que pode.
Fui preparar um café bem forte e encontrei ao lado da açucareira um bilhete dizendo assim: “Para não me esquecer do teu olhar terno, guardarei a noite de ontem sendo como a primeira das mais doces que já tivemos, de todo seu...”
Passei horas andando somente para poder pensar, pensei e me decidi.
Parei na porta, avistei várias luzinhas para chamar a atenção de quem passava por ali. Respirei fundo, entrei!
Depois do acidente, tive medo. Não gostava nem de falar sobre o assunto, nem de lembrar e de saber que um dia, tudo foi diferente. Continuei, cheguei quase perto da porta de algumas das salas mais próximas e ouvi bem baixinho o som da canção. Meu coração estava disparado. Senti medo, mas tive que enfrentá-lo. Fiquei olhando por um tempo. Tenho certeza que meus olhos brilharam, de felicidade por ter conseguido chegar até ali e novamente sentir vontade que havia fugido desde o incidente e por tristeza meus olhos se enchiam d’água por tudo que havia acontecido e por tanto tempo que havia perdido.
Concentrei- me. Estava tão atenta que me esqueci das horas. Foi quando levei um susto gigante, como se tivesse cometido uma falta enorme até; Saltei do chão! Senti uma mão no meu ombro. Logo olhei para trás e era a secretária. Suspirei de alívio. Não queria ser reconhecida, gostaria da paz do momento. E felizmente a moça me perguntou só se precisava de algo. Respondi que não, que já estava de saída. Ela saiu então. Continuei onde estava.Penetrei meus olhos naquela coreografia, achavatão lindo. Vi que a dançarina cometia alguns erros por não estar tão concentrada quanto devia ou por pura obra do acaso e com isso voltava á vontade de poder comandar a sala e ajudá-la. Vi-me sozinha e acompanhei minuciosamente todos os detalhes e continuei fazendo lá fora todos os passos. Senti meu corpo leve como das outras vezes que dancei, estava até mais aliviada. Sorri, olhando pára baixo, peguei a bolsa e quando ia me despedir com o olhar, antes que a próxima música acabasse e eles parassem de discutir (sim, porque o parceiro da dançarina já não agüentava a falta de concentração de sua parceira.) ia saindo quando uma voz suave me chamou...
Havia tempos que não via um sorriso assim... Singelo!
Sorri de volta, como forma até de agradecimento pelo sorriso sorrindo pelos olhos brilharam, brilhavam; era disso que gostava que necessitava.
Comecei com notas simples sem nenhuma letra em mente, aqueles ares me faziam tão bem, com o sol fresquinho. As cordas do meu violão pareciam tocar sozinhas.
A criança continuava agora brincando ao som dos meus dedos e parecia que nada mais importava além da música que soava bem naquele momento e da areia em suas pernas; uma borboleta pousou em seu nariz, precisava de uma fotografia toda cena para registrar tempo tão inesquecível mesmo que simplório. A fotografia precisaria guardar aquele som das suas risadas do cheiro daquela areia e a cor do sentimento ali pousado no chão.
Eu sorri por uns instantes, por nada e para nada. Por estar assim, talvez.
Voltara para casa com uma letra que parecia agora importante e uma cantiga penetrante para quem virá ouvir.
Espere vou toca- la!
Não havia sono que amortecesse meu corpo. Consegui dormir pouco menos que três horas e foi o suficiente, minha mente trabalhava constantemente, tocava a mesma música da noite passada o tempo todo...
De pijama sentei-me na varanda, senti o vento bater forte em um dos lados da face como se quisesse me ferir, o vento gritava eu conseguia ouvir, quis dizer-me algo, não podia entender mesmo que quisesse fiquei por lá um bom tempo ali sozinha, preço nenhum pagara ouvir o próprio coração batendo forte e lento por alguns minutos. Me senti só por mais que um instante senti- me só por completo nessa manhã, até de mim.
Resolvi entrar, preparei café bem forte e fiquei um tanto melhor, mas não como queria, tudo passava pela minha cabeça da noite passada, o gosto do choro quando você chegou junto das mãos mais frias que meu corpo, parecia não estar em mim, eu contava para as minhas amigas a história que estavam cansadas de saber, contava sem entender os porquês sem compreender, isso nunca aconteceu antes, nunca me senti assim por ninguém é tão difícil! Eu dizia com a voz tremula engolindo o choro que poderia ter amado alguma vez mais não como consigo amar hoje, esse amor; Lembrava-me em ver seus olhos olhando os meus e tudo em segundos, tudo que fizera ali tão sem importância e significância ficava mais inútil em minha vida ainda depois que eu pegara o celular aos prantos e escrevera sem sucesso, muito confuso como todas as outras vezes para ele! Tudo passava em um segundo pela minha mente vagarosamente, pelo meu coração e doía como a primeira vez. Precisava bem mais do que silêncio, já me cansei do silencio pairando ele dói mais do que qualquer xingamento. Havia necessidade de algumas palavras, confortáveis ou duras, mas de algumas... Deixei a xícara de café na mesa da sala e corri para o quarto de minha mãe, deitei- me junto dela respirei e despejei o que tinha acontecido. Senti leve suas mãos em meus cabelos enquanto ouvia, assim parecia estar protegida de todas as coisas, ficamos em silêncio até que saíram doces as palavras de quem é sábia de quem quer meu bem e disse que não havia nada de errado comigo ou no que havia acontecido; eu, a questionava sem parar, ela dizia que não devia me sentir assim. Percebo, depois de muita insistência que não havia feito nenhum mal para nenhum de nós dois havia seguido em frente, só estava com medo se “em frente” era mesmo o que eu queria ter enviado algo pode ter sido desnecessário, confesso, quando a escrevi relatei que seria mesmo que muito amável um tanto quanto incomodo... Mas já havia feito. Agora me diga, por que não consigo me sentir melhor? Por que o que eu sinto me faz bem e mal ao mesmo tempo me fazendo esquecer o mal quando totalmente me sinto bem? Seria certo sentir- me como se nada houvesse acontecido? Resolveria?
Algo me prende, me rende...
“A razão é sempre mesquinha quando se coloca ao lado do verdadeiro sentimento...” (Homoré de Balzac)
Parei para tomar café. Cheguei fechar os olhos com a impressão de sentir melhor o aroma que entrava em minhas narinas que de tão profundo chegava a minha mente, me trazendo recordações tão antigas quanto o que já sentira algum dia.
Degustei aquele momento por uns bons minutos fazendo- me atracar em medos que há tempos não sentira mais que agora era bom sentir. Parece louco! Consegui reviver várias partes, ali sentada naquela varanda de bar aconchegante que parecia estar na casa da vovó, junto dela ouvindo as histórias tristes e gostosas de serem ouvidas. Poderia passar a vida ali. Porém resolvi levantar e caminhar um pouco sentia- me bem estar sozinha porque queria e senti o vento batendo fresco nas maçãs do rosto, aquilo sim era vida, sensação rápida e tão penetrante como aquela só sentira há anos atrás.
Foi se escurecendo, o sol ia se pondo deixando o céu cheio de cores vivas, intensas, quase escuro inesquecíveis para o momento. Encontrei um lago, sentei- me na grama, uma grama verde e fofa que dava dó de feri-la. Concentrei-me no horizonte que puxava- me como um ímã tentando tirar de dentro do meu peito e da minha mente todos os meus segredos, todos os meus medos e alegrias, senti vontade de contar já que só havia aquele pôr- do- sol, a água, a grama, o ar pura e a mim. Senti-me a vontade. Deitei- me ali mesmo. Esperei as estrelas brilharem para mim e contei todas que consegui, foram muitas e para cada uma que brilhava contei um segredo. Acho que algumas chegaram a rir dos meus medos. Gostei da minha companhia, finalmente. Agora era necessidade repetir a dose. Dias e dias se passaram e repetidamente enviava para os céus as perturbações do meu mundo, sentia- me mais aliviada, feliz por não me sentir sozinha. É tão constrangedor descobrir que fatos tão simples fazem de cada hora do dia ser uma vida fabulosa, quero me encontrar com elas todas as noites, assim despida de mim.
"Começou o dia. Raiou o sol banhou meu corpo me senti quente como num abraço. Flutuei com meus próprios braços; Olhei pro céu sorri pras nuvens, reunidos ouvi os pássaros cantarolando e senti o frescor do ar balançar os cabelos continuei a caminhar, corri e até brinquei de andar no preto sim e no branco não. Reuni forças, me rendi. Sinto- me livre.
Fechei os olhos por quase um segundo nele vi o mundo parar e só eu a girar, girei. Consegui até sonhar, me belisquei.
Um instante!
Estou cá de volta, espere!"
Estar sentada, rodeada de paredes brancas.
Tento me espalhar, busco outro lugar.
Quero sair, me livrar.
Sufoca-me mesmo com tanto ar sobrando e soprando sob o próprio ser. Descobri!
Descobri sim onde estou, estou dentro de mim. Consegui me ver por fora, por dentro além de todas as palavras já ditas e escritas, enfim.
Não há uma fresta para que eu possa sair?
Alguém me tira daqui?
Leva-me pro infinito mesmo que seja sem fim... Mostre-me o abismo que é mais bonito do que esta dentro de mim. Preferiria o escuro a esse branco ou marfim. Estou tonta, vejo imagens refletidas dos meus olhos. Não gosto do que vejo! Por enquanto queria me esconder, enfim.
Escorro-me pelas paredes. Derramo-me no chão! Vejo-me pelos cantos prendendo a respiração toco os lugares e sinto as dores do meu coração...
Olho pára as minhas mãos vejo que a dor está chegando ao fim, basta eu querer, sim! A pulsação desse lugar está lenta, baixa é assim que me sinto, enfim.
Melhor me afastar, ficar quieta sentada ao chão esperando uma pista chegar para aliviar o que me deixa presa com essas paredes brancas a me rodear.
Como cheguei aqui? Por mim mesma ou alguém me levou a esse fim?
Creio que na verdade conseguiram me levar para dentro do meu ser sim e que isso não é o fim mais o início de uma história, enfim...!
Se era essa a intenção, sim, você é um vencedor. Conseguiu!
Juro que era saudável derramar as poucas lágrimas adocicadas que me restavam, porque de uma forma ou de outra, sentia que valia à pena por mais difícil que fosse, valia à pena cada gota.
E o gosto vinha cada vez um pouco diferente da outra, tinha ternura, respeito,saudades. Essas que caíram agora e ainda caem, derramaram com as lágrimas também do coração nas folhas ainda em branco que escrevia para você e de forma que eu não me esquecesse delas em qualquer vida que eu virá a viver.
Se era essa a intenção!
se era essa a intenção, sim, você conseguiu.
Até então, não tinha debochado do meu amor nem do meu coração. Via nas minhas lembranças que esse sentimento para você, era digno e que agora achas que não seja mais digno à você. Escute! Isso pode ter me levado ao chão, sim, se era essa a sua intenção.
Cheguei ao chão, bati os joelhos em pedras, está tudo ferido e há sangue a minha volta, está assim dentro e fora do meu coração.
Me levou a centímetros do inferno e irei voltar daqui um tempo para que eu possa voltar a voar com as outras borboletas e todos os pássaros do céu.
E depois disso tudo, do que serve todas essas minhas palavras? Sinto que nada. Completamente, nunca foram nada, mais tudo para mim.